quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Parte II , Lira IX

A estas horas
Eu procurava
Os meus Amores;
Tinham-me inveja
Os mais Pastores.
A porta abria,
Inda esfregando
Os olhos belos,
Sem flor, nem fita,
Nos seus cabelos.
Ah! que assim mesmo
Sem compostura,
É mais formosa,
Que a estrela d’alva,
Que a fresca rosa.
Mal eu a via,
Um ar mais leve,
(Que doce efeito!)
Já respirava
Meu terno peito.
Do cerco apenas
Soltava o gado,
Eu lhe ar mais
Aquela ovelha
Que mais amava.
Dava-lhe sempre
No rio, e fonte,
No prado, e selva,
Água mais clara,
Mais branda relva.
No colo a punha;
Então brincando
A mim a unia;
Mil coisas ternas
Aqui dizia.
Marília vendo,
Que eu só com ela
É que falava,
Ria-se a furto,
E disfarçava.
Desta maneira
Nos castos peitos,
De dia em dia
A nossa chama
Mais se acendia.
Ah! quantas vezes,
No chão sentado,
Eu lhes lavrava
As finas rocas,
Em que fiava!
Da mesma sorte
Que à sua amada,
Que está no ninho,
Fronteiro canta
O passarinho;
Na quente sesta,
Dela defronte,
Eu me entretinha
Movendo o ferro
Da sanfoninha.
Ela por dar-me
De ouvir o gosto,
Mais se chegava;
Então vaidoso
Assim cantava:
“Não há Pastora,
“Que chegar possa
“À minha Bela,
“Nem quem me iguale
“Também na estrela;
“Se amor concede
“Que eu me recline
“No branco peito,
“Eu não invejo
“De Jove o feito;
“Ornam seu peito
“As sãs virtudes,
“Que nos namoram;
“No seu semblante
“As Graças moram.”
Assim vivia...
Hoje em suspiros
O canto mudo;
Assim, Marília,
Se acaba tudo.
Interpretação
 Esta lira foi escrita quando o poeta se achava preso na África. Suas liras são expressões da ilusão de situações vividas ou sonhadas com sua noiva, que ficou no Brasil e que na realidade só pode se configurar como “poesias da saudade”. Traduz o seu sofrimento, o seu desalento e a sua saudade, o seu estado de espírito. Para amenizar este sofrimento transforma em poesia linda lembrança de Marília, este é o seu alento. Fala de seu amor que causava inveja aos demais pastores, da beleza de Marília, que mesmo ao acordar já era bonita. Comparava-a com a estrela mais brilhante e que primeiro resplandece no firmamento. Demonstra o enorme sentimento que o envolvia quando a via e a comparava com uma ovelha em seus braços. Para ela reservava a água mais clara e a melhor relva, o melhor que poderia dar. Mostra toda a sua alma romântica e triste, pois ele escrevendo tudo o quanto é linda e doce a sua amada, ovelha-mulher, e depois de falar de todos os seus devaneios de amor, mostra ao final que tudo não passa de devaneios. Além desses sonhos nada mais restava.

Contexto Histórico
Por sua participação na Inconfidência Mineira Tomás Antônio Gonzaga foi separado de sua amada, Marília e seus bens foram confiscados, permaneceu recluso no Rio de Janeiro até 1792 quando foi enviado para Moçambique, como degredado. Esta parte II deve ter sido escrita durante os primeiros anos na prisão de Moçambique, já que foram publicadas em Lisboa em 1799, não se sabe quem mandou publicar. No contexto literário é uma obra que se enquadra no arcadismo ou neoclassicismo clássico

Características do Arcadismo
Na lira o autor faz a oposição do barraco, ou seja, ele é direto em seu poema e usa palavras do uso popular.
O autor faz o uso do bucolismo (a vida pastoril)
Bucolismo:

“Do cerco apenas
Soltava o gado,
Eu lhe ar mais
Aquela ovelha
Que mais amava.”

Linguagem (oposição do barraco)
“A estas horas
Eu procurava
Os meus Amores;”


Glossário
Lavrar pode ser o mesmo que executar, fazer, dar andamento...
Semblante Aparência de algo, face de alguém que pode estar feliz, triste ou expressando ou revelando algum sentimento. É a aparência.

Relva Gramado, erva rasteira; conjunto de ervas rasteiras que juncam um terreno.
Ana Luisa, 02, 1F

3 comentários:

  1. Notei que esta lira narra os sentimentos de um homem completamente sozinho, frustrado com saudade de sua Marília, e com sentimento de injustiça, um temor do futuro e perspectiva da morte rompendo constantemente o equilíbrio da vida.
    Ana Vitória,03,1F

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  2. Discordo da minha colega Ana Vitória. Para mim, os sentimentos narrados não tem relação com a solidão de Dirceu. Vejo sentimentos de felicidade e satisfação da parte do eu lírico, não apenas por estar amando, mas por ter "a honra" de apaixonar-se por Marília. Esse entendimento, se deu principalmente quando Tomás escreve "Os meus Amores;/ Tinham-me inveja/ Os mais Pastores."
    Wanessa Azevedo, 36, 1°F.

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  3. Nessa lira é possível notar a exaltação de Dirceu para com Marília, ao meu ver Dirceu ao escrever essa lira passava por um grande tormento emocional, está evidenciado que Dirceu ama muito Marília e que constantemente ele pensa em sua amada.
    Diego Santos,09,1ºF.

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